terça-feira, agosto 03, 2010

Sem Titulo

Ela é forte.

O ambiente é pesado. A não ser o barulho das máquinas a avisar as enfermeiras para a mudança das garrafas de veneno, todos permanecem em silêncio.

Têm todos uma cor de pele horrível, baça, amarelada. Têm uma expressão vaga, vazia, triste… conformada.

Eles não são fortes. Eles vomitam, eles defecam, eles queixam-se.

O tratamento inclui a introdução de cerca de litro e meio de liquido por via intravenosa. Essa quantidade origina que as deslocações às casas de banho sejam frequentes. Levantam-se com dificuldade, seguram-se ao poste de metal com rodas que suporta os líquidos. Caminham pelo corredor de forma calma. Tudo em silêncio, apenas o tilintar do metal.

Ela é forte.

Ela sorri. Não é como os outros. Ela fica cansada. Ela dorme.

Observo a decoração. Um aquário de peixes no centro da sala. Vazio, sem agua, sem peixes, mas com pedras e decoração.

Alguns bordados a ponto cruz, expostos nas paredes, em telas simples, com mensagens bíblicas, de esperança, de salvação. Leio-as todas e não encontro qualquer reconforto. E é tudo em termos de decoração.

Mas as maquinas continuam a apitar, agora a maioria da sala ao mesmo tempo.

Muda-se-lhe o frasco, ela acorda. Tem fome. Rói lentamente uma pêra que uma enfermeira lhe deu, queixa-se que está cansada demais para comer. Em segundos, as suas feições mudam, custa respirar, fica totalmente vermelha, em aflição, agarra-se ao peito com dores, não consegue respirar.

A enfermeira chega apressada, rápida, experiente, confiante, reduz a cadência de introdução do líquido, insere outro veneno para reduzir a reacção nociva do primeiro.

Ela é forte.

Acalma-se, recupera as cores e dorme novamente.

É nesta fase que me chegam as perguntas à parte emocional do cérebro:

“Será que isto não faz pior do que bem?!?” e “Será que sabem o que estão a fazer?”

Logo seguidas de respostas que chegam da parte racional do cérebro:

“É mesmo assim. Não há outra forma mais eficaz de acabar com o ‘mal’. Ela vai ficar bem.”

Ela é forte, ela não vai ficar como os outros. Ou será que vai?...

quinta-feira, abril 22, 2010

Na estação de comboios de Rumilly

Apos 3 semanas consecutivas de greve nacional da empresa de comboios francesa, dirijo-me à estação depois do trabalho e um simpàtico senhor pede-me para passar à frente na fila para fazer uma questão ràpida. Deu-se o seguinte diàlogo:

"Importa-se que passe à frente? Quero apenas fazer uma pergunta ràpida..."

(EU) Sim pode. Não tenho pressa, força.

"O senhor não é francês, pois não?"

(EU) Não.

"Vi pelo sotaque. é de onde?"

(EU) Consegue adivinhar?

"Português?!"

(EU) Sim... acertou à primeira! E você?

"Marrocos... esta greve que nunca mais acaba... dizem ser o ultimo dia hoje..."

(EU) Sim, ouvi ontem nas noticias....

Longos segundos de silêncio, a fila nao mexe. Faz calor na estação, està sol là fora. Estou atrasado para a aula de francês...

"Em Portugal é que se està bem!! A vida é melhor là! Temos de procurar a felicidade onde as pessoas são mais simpaticas, onde faz melhor tempo... sol e calor o ano todo..."

(EU) Mas o salario minimo é 3 vezes menor e o custo de vida é pouco inferior ao de França...

"O dinheiro não é tudo... Ganha-se mais mas està frio. Hoje pode estar bom, mas amanhã volta a chover"

(EU) Jà foi a Portugal? Conhece?

"Conheço Lisbonne e Santa Maria de Fatima. Todos os meus amigos da associação de emigrantes portugueses me fala muito bem de Portugal"

Entretanto chega a sua vez de ser atendido na estação, agradece e despede-se com:

" Um resto de bom dia, Portugal é muito bom. Cristiano Ronaldo."

terça-feira, abril 13, 2010

As primeiras impressões...

A França. Na minha entrada nos 30 torno-me mais sábio, torna-se mais difícil apaixonar-me, torno-me mais racional nos amores que escolho. A minha relação com a França, começou com desconfiança, com dificuldade, com alguns choques ; mas também com muitas surpresas.

Longe de perder a minha paixão pela Polónia e arredores, mas acho possível ainda ter espaço no meu coração para mais um amor. Bora lá França que estou a ficar chaude !

Afinal portugueses e franceses não são assim tão diferentes, ora vejamos :

- Ambos adoram comer, a sua comida é óptima, e é uma parte importante da vida social de cada um. Momento de reunião salutar, partilha, amizade, convivio.
- Ambos adoram as esplanadas, as cervejolas com amigos, o ‘bora lá beber um cafezinho’, apanhar sol, falar, falar, falar, e falar.

- Ambos se queixam de tudo, do tempo, da greve, da vida, afinal nunca esta tudo perfeito. Há algures no passado que já esteve melhor, mas não hoje. Ambos pessimistas na vida, trabalho e amor. Um fado partilhado.

- A essência latina esta lá em França e em Portugal, mas sem o exagero das palminhas e do barulho e confusão espanhola e os exageros na moda e no detalhe visual dos italianos.


Mas serao assim tao parecidos ?? Continua a espantar-me como pequenos detalhes tornam ao mesmo tempo os franceses tão diferentes dos portugueses…

Socialismo imposto à força

Claro que esta que no pretensiosismo e tacanhez somos os maiores. Haverá sempre os grandes senhores feudais e monárquicos em Portugal. Os donos do pais. Os que se medem pelo carro de luxo que têm, prevalece o parecer que se é, do que o ser-se realmente. As aparências, o viver acima das possibilidades, E em França como é ??

Salário mínimo muito mais alto, mas o topo também aufere salários mais reduzidos, a classe media sim pode existir, e existe em França.


A grande diferença entre PT e FR, é que ambos se queixam quando algo vai mal, mas apenas os franceses fazem algo para mudar. Somos vítimas de séculos de passividade, do deixa andar, do encolher ombros e pronto, será sempre assim. Não me refiro apenas às greves gerais A SERIO de França, ou à idade de reforma mais baixa que no resto da Europa, refiro-me a séculos de história. Se o povo passa fome, quando há dificuldades lá vai o rei para a guilhotina, lá vem a revolução, enquanto que em Portugal a culpa morre sempre solteira.

Por isso aqui em França ninguém diz : « Ele é muito rico ! »

Diz-se antes : « Ele vive à vontade ! »

Grandes carros de empresa que definem estatuto social ? Não o vejo à minha volta. Talvez em Paris seja igual…

O que existem são salários mais altos, melhores serviços públicos, é mais fácil aqui para um maior número de pessoas.

Uma coisa é certa, compra-se casa quando se tem 40 anos, porque o lobby dos banqueiros é super controlado pelo governo, e não se endividam as famílias de forma irracional como em Portugal.

Um género de socialismo empurrado pela cabeça à baixo de toda a sociedade.

Tudo isto me foi explicado pelo meu professor de francês ainda em Lisboa. Mesmo assim descobrir por mim e senti-lo pessoalmente é diferente. Aquela sensação : ‘ah… é mesmo como o JP me disse ‘ mas na mesma o choque como se fosse totalmente inesperado.


O que não gosto de França, para alem da distancia a quem amo e deixei em Portugal :

Não gosto da fonética da língua. Talvez por anos a aprender línguas brutas como espanhol e polaco, passar para uma língua delicadazinha não tem sido fácil. Continuo a achar o “joder” espanhol e o “kurwa mac” polaco mais impactante que o “putaaiinn ‘ francês.

Estes bacanos acham-se no fundo um bocado mais especiais do que realmente são. O nacionalismo torna-se ridículo por vezes. É sem duvida um grandioso pais, mas epà, calma…

Bagette debaixo do braço já não me choca, mas a mistura de um sovaco suado em contacto com pão fresco não conjuga no meu imaginário romântico de França.

A fixação que têm por cus cus em vez do arroz, ou a fixação por carne de pato em vez das nossas filas ao domingo para comprar frango no churrasco.

O exagerado uso de cheques para pagar tudo.


Allez! Allez! Vive la France!

segunda-feira, abril 12, 2010

A pedido de vàrias familias

Volto a escrever.

Não è fácil depois de tão longa ausência. Justificar a longa ausência… não vale a pena. O peregrino estacionou por uns tempos, transferi parte da energia para o amor, para o facebook onde publico as fotos das peregrinações mas sem escrever.

Sobretudo 3 recentes motivações me lançam no blog novamente, moda essa, a dos blogs, que depois do frenesim inicial, já acalmou e agora há menos quantidade e, talvez, mais qualidade no que se escreve na blogosfera.


Primeira

Por opção, vontade, ambição, ou maluqueira, depende do ponto de vista do amigo ou familiar que lê estas linhas, voltei a partir. O peregrino voltou. Emigrou novamente. E novamente sem saber por quanto tempo, mas sempre com a certeza de voltar. O cantinho solarengo, apesar de todos os defeitos, é ainda muito virtuoso, e apesar de tudo é : ‘casa’.

A ausência e distância de amizades e amores jamais é substituída por qualquer croissant, baguete, ou tartiflette. Volto ao blog para tentar preencher um pouco esse vazio, para partilhar com mais detalhe, mais emotividade que a simples foto no facebook, o meu dia a dia, o quotidiano que fica por contar nos telefonemas ou chats.

Segunda

Os leitores deste espaço pediram bastante para que não parasse de escrever, mas foi a seguinte chamada que me motivou :

« Filipe, não imaginas ! A minha mãe ontem procurava informações sobre Amesterdão na Net, porque me vem visitar, e imagina, foi parar ao teu blog e viu fotos tuas e minhas ! Porque não voltas a escrever, pá ? »


Terceira

Um livro que acabei de ler que me inspirou para voltar a escrever. Vivam os novos autores portugueses:

"O homem que queria ser Lindbergh", de João Lopes Marques, Oficina do Livro, 1a edição de 2007

Volto a escrever André;